Em novembro de 2008, eu trabalhava na redação do jornal A Notícia, em Joinville. Repórter de política, fui recrutado, como quase toda a equipe, a ajudar operacionalmente na cobertura das enchentes em Santa Catarina. Assim, tive minha primeira experiência como editor – ajustando textos, definindo títulos, subtítulos, legendas de fotos. Os colegas do Santa, em Blumenau, estavam ilhados e sem luz – se lembro bem, algumas páginas do jornal foram editadas por nós em Joinville. Eram poucos os dados concretos naquela primeira noite, mas tínhamos noção de que não estávamos vivendo algo corriqueiro. Lembro até hoje da dificuldade que eu tive para dar o título da página que falava sobre a situação no Vale do Itajaí – o medo de exagerar ou de subdimensionar. Nunca esqueci o título que dei e que magicamente coube sem estourar o número de letras no planejamento gráfico do recém-lançado AN em versão tabloide: “Uma tragédia ainda por contar”.
Lembrei desse momento e de muitos outros das enchentes de 2008 durante a apresentação do governador Jorginho Mello (PL) e seu secretariado sobre o balanço das enchentes de 2023 e as medidas para ajudar a recuperação das perdas econômicas na região. Um quadro comparativo colocava lado a lado números de 2008 e deste ano para mostrar a equivalência do volume das chuvas e municípios afetados. Um destes números me emocionou e ficou na minha cabeça desde então: 135 mortos nas enchentes daquele ano, seis mortos em 2023.
Fiz questão de cumprimentar o governador Jorginho Mello, o secretário Coronel Armando e o adjunto Flávio Graff, da Defesa Civil, em nome de todos os que trabalharam na prevenção e na mitigação dos efeitos das chuvas este ano. O número é eloquente demais. Mas, também, fiz questão de mandar uma mensagem de cumprimento ao ex-governador Raimundo Colombo (PSD). O pessedista não foi às redes falar do trabalho feito na Defesa Civil durante seus dois mandatos – quem conhece o lageano sabe que na dúvida entre fazer e não fazer, ele não faz. Temeu parecer que estava usando a tragédia para reaparecer no cenário político.
Mas, quando convicto, o lageano faz. Reconheça-se. Ainda sob o impacto das enchentes de 2008, a campanha eleitoral de 2010 trouxe o tema com força. Colombo prometia criar a Secretaria de Prevenção a Desastres e dar um salto nessa área. A pasta não nasceu com esse nome, mas pela primeira vez a Defesa Civil ganhou status de Secretaria de Estado e foi entregue a nomes de extrema confiança e proximidade com o governador: o ex-senador Geraldo Althoff no primeiro momento, o ex-prefeito de Rio do Sul, Milton Hobus, na sequência. Mais que nomes e status, foram viabilizados recursos junto ao governo federal, sob comando da então presidente Dilma Rousseff (PT), para tirar do papel obras planejadas junto com a agência japonesa Jica. Foi instalado o radar meteorológico de Taió. No final do mandato, Colombo inauguraria a sobrelevação das barragens de Ituporanga e Taió dentro do programa Pacto por Santa Catarina. Os equipamentos foram fundamentais em 2023.
O governo de Carlos Moisés avançou pouco. A Defesa Civil foi rebaixada, perdendo status de secretaria. Para comandá-la, um corretor de imóveis, ex-vereador de Timbó, indicado pela bancada estadual emedebista. O tema deixou de ser prioridade. Mesmo assim, a Defesa Civil continuou referência e orgulho do Estado, especialmente na atuação coordenada com as Defesas Civis municipais, com forte participação da Federação Catarinense de Consórcios, Associações e Municípios (Fecam).
No início do governo Jorginho Mello, a Defesa Civil retornou ao primeiro escalão do governo, teve adicionada a palavra “Proteção” em sua nomenclatura e voltou a ter nomes de maior peso político com Armando e Graff. Sob o comando deles e a parceria dos demais órgãos do Estado – notadamente o Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Militar e as secretarias de Saúde e Assistência Social – foi feito o enfrentamento a uma crise que poderia ter dimensão ainda maior do que teve e continuará tendo. A perda econômica superou R$ 1,6 bilhões apenas na agricultura. A queda de arrecadação do Estado e dos municípios será sentida ainda por muitos meses. Mas é inegável que os avanços de infraestrutura conseguiram minimizar o que poderia ser ainda pior – e salvar vidas, o mais importante.
Jorginho já disse que pretende revitalizar o sistema de barragens que recebeu. Já falou, também, em avançar com as obras do plano Jica, levando as demandas ao governo federal na reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e com o ministro Alexandre Padilha (PT), das Relações Institucionais. A parceria com o governo Lula (PT) nesse ponto será mais importante do que as bandeiras partidárias – que são importantes também, mas não precisam estar permanentemente hasteadas. Na entrevista coletiva de ontem, o governador antecipou que existem conversas para implantação de uma rede conjunta de monitoramento das questões climáticas em parceria com Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul. A estrutura que Santa Catarina já tem faria do Estado a base desse acompanhamento. Informalmente, a estrutura construída já faz com que os catarinenses auxiliem os vizinhos com informações.
É hora de compartilhar e de somar, em todas as esferas. E nunca mais parar de avançar.
Sobre a imagem em destaque:
Rio do Sul em 10 de outubro. Foto: Marco Favero, Secom-SC.