Entre a Onda Lula de 2002 e a Onda Bolsonaro de 2018 passaram-se 18 anos, período em que Santa Catarina passou da condição de Estado que deu a maior votação proporcional do petista no primeiro turno da eleição que lhe daria o primeiro mandato à situação de recanto mais bolsonarista e, por consequência, mais antipetista do país. Olhando para esses dois momentos, é interessante observar esse retorno de Lula a Florianópolis para um comício eleitoral 20 anos depois, no último domingo, para mostrar que não só ainda existe esquerda em Santa Catarina como ela pode até se atrever a sair de casa.

Cada uma a seu modo, as ondas Lula e Bolsonaro provocaram fortes mudanças na composição do poder em Santa Catarina. A forma como o governador Carlos Moisés (hoje no Republicanos) chegou ao poder estadual a bordo do 17 do antigo Psl ainda está fresca na memória, vou recordar o passado. Lula não conseguiu levar seu candidato José Fritsch ao segundo turno em 2002 – faltou algo como dois por cento -, mas empurrou o oposicionista Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) para uma virada histórica contra o então governador Esperidião Amin (Ppb). Foi o tal último comício de Lula em Florianópolis antes deste domingo, realizado na antevéspera daquela eleição.

Lula não viria a Santa Catarina na reeleição em 2006, com Luiz Henrique já colado ao Pfl de Jorge Bornhausen, Fritsch em candidatura praticamente isolada e um apoio meio envergonhado a Amin no segundo turno que só serviu para reduzir a diferença nos resultados que deram a reeleição ao peemedebista e que colocaram o então tucano Geraldo Alckmin (hoje no Psb, vice na chapa de Lula e presente no palanque domingo) como primeiro colocado na eleição presidencial no Estado.

O Pt seria derrotado pelo Psdb na terra catarinense também em 2010, quando Lula preferiu fazer seu comício eleitoral em favor de Dilma Rousseff em Joinville – à época governada pelo petista Carlito Merss. Em 2014, na reeleição de Dilma, o único comício foi em Florianópolis, fechado no CentroSul, já no segundo turno e sem Lula. É aquele encontro em que até o hoje bolsonarista Jorginho Mello (Partido Liberal), candidato a governador, estava no palanque com boa parte da poder estadual.

Estavam lá também o então governador reeleito Raimundo Colombo (Psd), que sempre dizia que sua gratidão era a Dilma, não ao Pt, e dois nomes que agora encontraram lugar no comício deste ano: Dário Berger (Psb), candidato a senador na chapa esquerdista (com apupos dos puristas defensores da candidatura de Afrânio Boppré, do Psol), e Gelson Merisio (Solidariedade), articulador político dessa frente em torno de Décio.

Encerro o resgate histórico para dizer que este Lula que volta ao Estado com ex-adversários e antigos companheiros no palanque não deve reverter o antipetismo da ampla maioria do eleitorado catarinense com discursos em uma praça lotada. A construção desse antipetismo se deu nessa série de quatro derrotas seguidas do partido nas eleições presidenciais do Estado. Mas as imagens do comício que segundo a insuspeita Polícia Militar reuniu 25 mil pessoas ajudam a compor uma narrativa interessante para o projeto petista dentro e fora de Santa Catarina.

Lula precisava mostrar para o resto do país que conseguiria mobilizar sua militância nos Estados do Sul, cidadela do bolsonarismo. O roteiro por Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis foi suficiente para mostrar que a esquerda do Sul está disposta a mostrar a cara na região mais ligada ao presidente Jair Bolsonaro. Colocou Santa Catarina e os vizinhos no mapa da polarização.

Décio precisava ser visto, ouvido e celebrado no mesmo palanque que Lula para buscar a amálgama desse eleitorado. Todas as pesquisas mostraram até agora uma disparidade entre os percentuais de ambos – o ex-presidente entre 25% e 30%, o ex-deputado federal na faixa de 6% a 12%, dependendo do instituto.

Com outras quatro candidaturas competitivas – o governador Carlos Moisés, os senadores Jorginho Mello e Esperidião Amin (Progressistas) e o ex-prefeito Gean Loureiro (União) – no páreo, Décio sabe que está no jogo pela vaga no segundo turno se conquistar pelo menos metade dos votos lulistas. Lula também sabe que sem Décio no segundo turno não terá como improvisar palanques, como fez em 2002 e 2006.

O comício teve efeito no mundo virtual. Com o evento, pela primeira vez em três anos as buscas por Lula no Google superaram as pesquisas por Bolsonaro entre os catarinenses. Décio foi para o topo do ranking de engajamento nas redes sociais entre os candidatos a governador. Os bolsonaristas partiram para a narrativa de esvaziar o evento, duvidando do número de participantes apontados pelas autoridades, ou criticando as cercas. É do jogo: os petistas fazem o mesmo com os eventos em favor de Bolsonaro.


Sobre a foto em destaque:

Lula e Décio, olhos nos olhos e sob o olhar dos militantes petistas. Foto: Denner Ovídio, Divulgação.

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