Do alto de seu pragmatismo, o ex-deputado estadual Gelson Merisio (Psdb) gosta de dizer que uma proposta de reforma em direitos ou estruturas do funcionalismo que não gera reações e vaias de servidores públicos nas galerias do parlamento está enganando alguém – a sociedade ou os próprios servidores. Era a experiência vivida, muitas vezes no comando da Assembleia Legislativa, das reformas administrativas e previdenciárias dos governos Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) e Raimundo Colombo (Psd). As propostas do governo Carlos Moisés (sem partido) para previdência estadual devem passar por essa baliza e serem aprovadas com protestos do funcionalismo, mesmo suavizadas pela emenda substitutiva global construída no Centro Administrativo e que será incluída no relatório conjunto apresentado na manhã desta quarta-feira nas comissões da Alesc.
O governo Moisés cedeu onde sempre avisou que poderia ceder. Cai a taxação extra de 1% a 4% além dos 14% já estabelecidos para servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003 e que recebem mais de R$ 1 mil mensais – com foco nos salários acima de R$ 10 mil. Também é suavizado de 100% para 50% o pedágio aplicado aos servidores que pelas regras atuais estariam mais próximos da aposentadoria, assim como ficam mais amenas regras de pensão por morte – especialmente para para os civis da segurança pública. Mas os pontos que geram mais barulho são tidos como inegociáveis: a ausência dos militares estaduais das novas regras, tratados de forma diferenciada na reforma previdenciária aprovada pelo Congresso Nacional em 2019, e a taxação dos inativos que recebem menos de 6,4 mil, hoje isentos da mordida de 14% para a previdência.
Esses dois pontos são objeto por parte do governo Moisés do que chamarei aqui de emendas labiais. Não estão no texto, mas foram prometidas mudanças que viriam em forma de novos projetos que aportariam no parlamento estadual ainda este ano. Uma delas, ainda na saliva, é a ideia de aplicar regras mais rígidas aos servidores militares através de lei específica, como foi feito em Brasília, quando foram destacados da reforma geral da previdência com a bênção do governo Jair Bolsonaro (sem partido). Por aqui, o deputado estadual Milton Hobus (Psd), relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) chegou a defender que a proposta em andamento incluísse a alíquota previdenciária de 14% também para os militares – 10,5% diz a lei federal -, mas foi demovido diante da argumentação de que poderia gerar questionamentos legais e da constatação de que abrir mais um flanco de batalha com o funcionalismo seria perigoso para a aprovação da reforma.

Servidores estaduais questionam a reforma da previdência. Foto: Daniel Conzi, Agência AL.
A segunda emenda labial deve vir quase que imediatamente à aprovação do texto em análise nesta quarta-feira pelas comissões. É o chamado Programa de Incentivo à Migração (PIM), que prevê a concessão de estímulos financeiros para que servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003 optem, voluntariamente, pela adesão ao fundo complementar SC Prev criado na reforma previdenciária de 2015. Na época, essa foi a grande novidade apresentada pelo governo de Raimundo Colombo (Psd), que também adequava ao Estado às regras aprovadas por uma reforma da previdência aprovada em Brasília. Pela nova regra, os novos servidores teriam as aposentadorias limitadas ao mesmo valor teto dos trabalhadores privados – na faixa de R$ 5,5 mil – e que quisesse receber valores maiores teria que aderir e contribuir com o SC Prev.
Em 2015, chegou a ser discutida a ideia de conceder incentivos financeiros para que servidores antigos também migrassem para o novo fundo. A conta é simples: quem adere ao SC Prev, capitalizado no mercado financeiro e gerido sob olhar dos poderes estaduais – sai da conta do déficit do fundo financeiro, bancado pelo tesouro estadual. Até agora, o fundo criado em 2015 conta com pouco menos de 1 mil servidores. Na época, a concessão o estímulo financeiro não convenceu o governo Colombo, mas agora volta com Moisés. Acaba sendo uma forma de criar uma compensação aos servidores que se consideram atingidos pela reforma.
Enquanto isso, Moisés vai passando com relativa facilidade no principal teste político que sua nova base parlamentar enfrenta na Assembleia Legislativa após o arquivamento dos processos de impeachment. Nesta quarta-feira será apresentado o relatório nas comissões conjuntas – CCJ, de Finanças e de Trabalho e Serviço Público – com tempo até a próxima terça-feira para análise dos 25 parlamentares que a integram. Na quarta-feira vai à plenário para ser aprovada, mesmo com vaias localizadas. É bom lembrar que em 2020, o governo precisou retirar as propostas de reforma da previdência – mais brandas que as atuais – por terem sido completamente desfiguradas por um Legislativo hostil. Na época, Eron Giordani (Psd), secretário da Casa Civil e condutor da reforma, estava no outro lado da trincheira.
Sobre a foto em destaque:
Eron Giordani e Milton Hobus, os pessedistas que ajudam Carlos Moisés a aprovar sem maiores sobressaltos sua reforma previdenciária. Foto: Bruno Collaço, Agência AL.