Com a intenção de disputar a presidência pela quarta vez, Ciro Gomes (Pdt) usa o discurso contra a antecipação da polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl) e o ex-presidente Lula (Pt) – de quem já foi aliado e ministro do Desenvolvimento Regional entre 2003 e 2006, mas que hoje repele como a veemência e a verborragia que lhe caracterizam. Mas o pedido de apoio ao eleitor brasileiro vem com um aceno de serenidade e um pedido para que a sociedade em 2022 ” bote a mão na cabeça e pense em construir um projeto novo para o país baseado em coisas práticas, em propostas objetivas”, porque “ódio e paixão não são bons conselheiros”.

Às vésperas de chegar a Santa Catarina para um roteiro em Itajaí, Joinville e Florianópolis entre quinta e sexta-feira, o ex-governador ceareanse concedeu entrevista a mim e ao jornalista Adelor Lessa na Rádio Som Maior na manhã de terça-feira. Ao seu estilo – e talvez por entender que se dirigia a eleitores de um Estado que votou fortemente em Bolsonaro em 2018 e que vem cultivando um antipetismo crescente eleição após eleição -, Ciro dirigiu a maior parte das críticas a “Lula e o Pt”, nunca citando o provável adversário desassociado do partido que criou. Para conquistar eleitores do atual presidente, o pedetista fala em “humildade, respeito e paciência”.

Nós precisamos entender o que aconteceu para que 70% do eleitorado do Sul, do Sudeste, do Norte e do Centro-Oeste tenha votado no Bolsonaro. Vamos procurar entender isso com muita humildade, respeito, paciência. Porque o povo votou em função de uma revolta imensa pela crise econômica trágica e pela ladroeira generalizada com que o Lula e o Pt destruíram a economia brasileira. Essa crise que nós estamos vivendo no Brasil está sendo agravada pela incompetência do Bolsonaro, mas essa crise nasceu no Pt, no tempo em que o Lula mandava no país. A desindustrialização do país é uma coisa muito pesada que aconteceu durante o governo do Pt. E a percepção de uma gente trabalhadora e séria como é o povo de Santa Catarina, que dá o testemunho de que a corrupção foi levada ao centro do poder. Não dá para esconder, isso é verdade. A partir daí, é preciso dizer ao povo que o voto usado como um tijolo, como um protesto, cumpre apenas uma etapa do voto. Agora precisamos usar o voto para construir. 

Na entrevista, Ciro defendeu a ideia de que o país precisa de um novo modelo de desenvolvimento econômico, não apenas “trocar o nome da pessoa”.

Nós estamos na pior crise econômica e social da história brasileira. A soma do desemprego com a informalidade recordes no Brasil, 6 milhões de empresas na iminência de falir por estarem no Serasa, desvalorização da moeda, inflação de volta, tudo isso pede muito que a gente não deixe que o debate de 2022 seja um debate sobre ódios e paixões superficiais que estão amarrando o Brasil como a uma bola de chumbo ao passado. Precisamos entender a causa da crise brasileira para podermos achar juntos um caminho para sair dessa crise. O problema do Brasil não é Francisco, Maria ou Manoel. Não é uma questão superficial de apenas trocar o nome da pessoa. Nós vimos isso. A maioria da população votou no Bolsonaro para se livrar do Lula e do Pt e agora tem toda uma inclinação de votar no Lula e no Pt para se livrar do Bolsonaro. Isso vai destruir o tecido produtivo brasileiro. Nós temos que trocar o modelo econômico e de governança política.

Além disso, defendeu uma nova postura de governança política e relacionamento com o Congresso Nacional.

Se você reparar, da redemocratização para cá, o Collor foi cassado, Fernando Henrique e o Psdb nunca mais ganharam uma eleição nacional, o Lula foi parar na cadeia, a Dilma foi cassada, o Michel Temer saiu pela porta dos fundos desmoralizado e agora o Bolsonaro se desmoraliza completamente na medida em que faz um governo trágico, na direção oposta à promessa que fez. Isso não pode ser um acidente. Todos os presidentes entraram numa crise grande. E quando a gente vai olhar, (eles) levaram a corrupção ao centro do poder. É o Centrão, é o Roberto Jefferson, é o Ricardo Barros, são as mesmas pessoas e o governo brasileiro completamente desmoralizado, seja pela corrupção, seja pela falta de planejamento e dispersão da energia do país com clientelismo e fisiologia. Temos que trocar esse modelo.

Diante das fortes criticas a Lula e ao Pt, perguntei a Ciro se ele se arrependia de ter sido leal ao partido entre o segundo turno de 2002, quando apoiou Lula contra José Serra (Psdb), até o impeachment de Dilma Rousseff (Pt) em 2016, que combateu alinhado aos petistas. O pedetista disse não se arrepender, mas enfatizou os confrontos com o partido nas disputas eleitorais.

É preciso que a gente seja leal. A política brasileira também está muito desmoralizada pela falta de compostura. Quando a gente dá a palavra, a gente cumpre a palavra. Agora, deixa que eu lhe diga e ao povo catarinense: fui candidato contra o Lula e contra o Pt em 1998, em 2002 e em 2018. Eu tentei ser presidente da República por três oportunidades, sou brasileiro e não desisto nunca, mas estou lembrando isso apenas para registrar que eu não sou do Pt, eu tenho uma proposta completamente diferente. Mas o sistema eleitoral brasileiro é de dois turnos e eu não costumo ficar em cima do muro. E o Lula se corrompeu depois. Eu não deixei de denunciar e nunca mais me associei com essa gente.

Ciro não deixou de criticar Bolsonaro, ao dizer que o discurso que apresentou na campanha eleitoral de combate à corrupção foi “da boca para fora”.

A questão da decência na coisa pública tem que ser um exemplo verdadeiro, não pode ser uma coisa da boca para fora, em que o Bolsonaro fala que vai combater a corrupção e a gente está vendo aí roubalheira na vacina, os filhos comprando mansão, todos envolvidos em corrupção, em desvio de dinheiro público de forma pesada.

Adelor Lessa trouxe para a conversa a questão da alta dos preços dos combustíveis e perguntou o que Ciro Gomes faria. Ele criticou fortemente a política de preços da Petrobras, atrelados ao dólar desde o período do ex-presidente Michel Temer (Mdb) no poder.

Por uma decisão do presidente da República, a Petrobras ao invés de cobrar o custo da produção do petróleo brasileiro em real, está cobrando quanto custaria se ela fosse vender no mercado internacional em dólar. Veja que absurdo, a gente produz um barril de petróleo por 10 dólares e eles estão cobrando 80 dólares. Temos que aplicar uma política de preços honesta. O quanto custa para produzir, mais uma margem de lucro em linha com as práticas internacionais.

Ouça a íntegra da entrevista de Ciro Gomes:

Compartilhar publicação: