Grandes temas como a questão previdenciária exigem que a gente tenha cuidado extra com os clichês. Sempre pronta para esperar o pior da classe política, a sociedade tem um alerta ligado para algumas questões que, quando surgem, têm o poder de contaminar completamente debates relevantes. Uma dessas questões é a aposentadoria de parlamentares, modalidade extinta na Assembleia Legislativa nos anos 1990, mas que volta e meia vive tentativas de recriação nos mais diversos moldes. O privilégio foi uma excrecência tolerada em boa parte da história política do Estado, mas que não tem cabimento algum nos dias atuais. Ainda hoje, nove ex-deputados estaduais recebem mensalmente as aposentadorias garantidas pelo direito adquirido das legislações extintas no governo de Vilson Kleinübing (Pfl).

Tentativas de recriação do benefício aconteceram em 2010 e em 2014. Na primeira tentativa chegou a ser aprovada e previa a aposentadoria no valor do salário de deputado estadual para os parlamentares que também fossem servidores públicos estaduais. A repercussão negativa na sociedade fez a própria Alesc revogar o ato no ano seguinte, sem gerar direitos. Em 2015, a nova tentativa veio respaldada por uma ideia da criação de um fundo específico de previdência com contrapartida generosa e retroativa do poder público. Mais uma vez a imprensa denunciou, a sociedade reagiu e a proposta foi vetada pelo ex-governador Raimundo Colombo (Psd).

Por isso, a vigilância é sempre importante. Todo esse preâmbulo e contextualização é para enfatizar que o projeto em discussão na Alesc para criar incentivos à adesão ao fundo complementar de previdência estadual – o SC Prev – não pode ser jogado no balaio das tentativas sub-reptícias de recriar um privilégio que a sociedade catarinense e brasileira já demonstrou mais de uma vez que rejeita. É um caso mais complexo e assim deve ser tratado.

A reforma da previdência estadual de 2015, no governo Raimundo Colombo (Psd), deu fim à relação entre o salário do servidor e sua aposentadoria. Para os funcionários públicos contratados a partir de então, vale o mesmo teto do Inss, cerca de R$ 6,4 mil. Quem quiser receber um valor mais próximo ao do próprio salário, precisa contribuir com um fundo de previdência – como qualquer trabalhador privado. A mesma reforma, no entanto, criou um fundo público, o SC Prev. Quem aderir, aporta 8% do valor do salário que excede o teto de R$ 6,4 mil e o Estado deposita uma contrapartida também de 8%. Parecia atraente, mas de 2015 até agora o SC Prev atraiu cerca de 500 contribuintes.

Este ano, a Alesc aprovou a reforma previdenciária enviada pelo governador Carlos Moisés (ex-Psl). Um de seus termos é a aplicação da alíquota de 14% para todo o funcionalismo, não apenas sobre os valores que excederem os R$ 6,4 mil do teto previdenciário como era aplicado até então. O foco é o grosso do serviço público, o pessoal que ingressou no Estado antes de 2015, e que tem a previdência custeada pelo fundo financeiro que gera déficits anuais bilionários ao caixa do Estado. Uma forma de fugir da taxação extra, especialmente para que recebe maiores salários, é aderir ao SC Prev e entrar no jogo dos 8% com 8% de contrapartida estadual.

Mesmo assim, o SC Prev não é atraente para a elite do funcionalismo, que prefere manter-se atrelada ao fundo financeiro respaldado pelo Tesouro Estadual a aderir a um fundo de previdência, mesmo estatal. Assim, durante a tramitação da última reforma, surgiu a ideia de criar um bônus para incentivar esses servidores a trocarem a conta do déficit pela da capitalização. Esse é o projeto em discussão na Alesc neste momento – e que deve ser votado nesta quarta-feira em reunião conjunta das comissões e depois em plenário.

Esse bônus não algo simbólico. Há cálculos complexos para determinar esse valor que o Estado vai tirar do caixa para colocar na conta individual do servidor no SC Prev. Em alguns casos, na elite do funcionalismo – desembargadores, conselheiros, fiscais, auditores, procuradores, etc – essa bolada pode chegar à casa do milhão de reais. Na cínica ponta do lápis dos técnicos, essa generosidade é mais barata ao Estado por que tira esses servidores do saco sem fundo da previdência pré-2015. Mesmo assim, merecia uma discussão sobre a moralidade de destinar tanto dinheiro individualmente a quem já está no topo da cadeia alimentar do serviço público.

No entanto, nosso eterno radar para identificar os privilégios que já reconhecemos e repudiamos, fez saltar aos olhos nessa discussão uma aparente recriação da aposentadoria dos deputados estaduais. Um dispositivo do texto em discussão na Alesc prevê que eles possam também aderir ao SC Prev – contribuindo com 8% do valor que excede R$ 6,4 mil e recebendo o mesmo valor como contrapartida – no caso dos parlamentares, algo em torno de R$ 1,5 mil mensais de contribuição própria e de repasse do Estado.

Parece um dispositivo com objetivo de trazer mais pessoas para o SC Prev, ajudando a viabilizar financeiramente o fundo complementar a longo prazo. Merece debate? Sim. É impertinente a inclusão neste momento, pelo potencial de desviar o foco que o tema tem? Provavelmente. Mas é importante dizer que não é uma aposentadoria especial o que está sendo analisado na Alesc e que o possível benefício aos parlamentares está muito longe dos valores que serão ofertados à elite do funcionalismo para garantir uma aposentadoria saudável a eles e ao Estado.

Precisamos ir além dos clichês quando debatemos previdência. Mas também precisamos cuidar com o automatismo de vilanizar a classe política e ignorar os verdadeiros beneficiados na proposta. Que são aqueles que nunca perdem – nem financeiramente, nem eleitoralmente.


Sobre a foto em destaque:

Plenário da Alesc deve votar na quarta-feira proposta que cria bônus financeiro para adesão ao SC Prev. Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL.

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