Em uma eleição disputada voto a voto e definida por uma diferença inferior a 1% do eleitorado, todo detalhe pode fazer ou poderia ter feito diferença. Por isso, antes que os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal) apontem a mira para os Estados da região Nordeste, onde o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (Pt) teve suas mais expressivas votações, é bom tentar entender o que aconteceu nos Estados do Sul. Mesmo vencendo no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, Bolsonaro perdeu votos em relação a 2018 e ainda viu o adversário petista absorver a ampla maioria dos votos resultantes do crescimento do eleitorado nesses quatro anos.
Na ponta do lápis, Lula teve 1.597.414 votos a mais do que o também petista Fernando Haddad recebeu em 2018 nos Estados do Sul. Enquanto isso, Bolsonaro perdeu 143.962 votos entre as duas disputas. Assim, é como se o petista tivesse absorvido todo o aumento de votos válidos registrado na comparação dos segundos turnos de 2018 e 2020 – 1.453.452 votos a mais – além de conquistar os que Bolsonaro perdeu. São votos que eram considerados certos para a campanha à reeleição do presidente, que apostou muito em campanhas de redução de abstenção no Sul do País, considerado um dos principais redutos bolsonaristas, para ajudar a compensar a votação de Lula em outras regiões.
Na prática, foram perdidos justamente no Sul do Brasil os votos que poderiam ter impedido a vitória de Lula por 2.139.645 votos em todo o país.
O fenômeno foi verificado de forma muito semelhante nos três Estados. Santa Catarina foi o único em que Bolsonaro ganhou votos na comparação das duas eleições: 81.462 votos a mais. Um acréscimo insuficiente para impedir que a diferença de Bolsonaro para o candidato do Pt caísse de 2.025.371 em 2018 para 1.695.712 na disputa deste domingo. Ou seja, Lula conseguiu tirar apenas no eleitorado catarinense uma diferença de 329 mil votos. O mais impressionante, considerando a força do bolsonarismo no Estado, é que o número de votos válidos a mais chegou a 492.582. É com se 83,5% desse acréscimo fosse conquistado pelo petista.
No Paraná e no Rio Grande do Sul, com eleitorados maiores que o catarinense, a perda para Bolsonaro foi ainda mais dolorida. Entre os paranaenses, o atual presidente perdeu 64.981 votos e viu a diferença para a campanha petista cair 622.705 votos – de 2,27 milhões para 1,65 milhão. No eleitorado gaúcho, a perda foi ainda maior. Bolsonaro teve 160.443 votos a menos do que no segundo turno de 2018, enquanto Lula conquistou 628.572 votos a mais do que obteve Fernando Haddad na disputa anterior. Assim, no Rio Grande do Sul a diferença em favor de Bolsonaro caiu 789.015 votos.
É importante observar uma mudança de cenário nos palanques locais no segundo turno que pode ter influência nesses resultados. Em 2018, Bolsonaro tinha o apoio declarado dois dois candidatos nos segundos turnos de Santa Catarina (Carlos Moisés e Gelson Merisio) e do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite e José Ivo Sartori), enquanto Ratinho Junior, também bolsonarista, havia conquistado o governo do Paraná em primeiro turno – feito que repetiu este ano. Na disputa encerrada neste domingo, o Pt contava com Décio Lima no segundo turno vencido por Jorginho Mello (Partido Liberal) em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, o bolsonarista Onix Lorenzoni (Partido Liberal) foi derrotado por Eduardo Leite (Psdb), que se afastou de Bolsonaro ainda em 2019 e não manifestou apoio neste segundo turno.
Sobre a foto em destaque:
Na única visita a Santa Catarina na campanha eleitoral, em setembro, Lula discursa em Florianópolis. Foto: Ricardo Stuckert, Divulgação.