Para todos os que esperam e defendem uma redução significativa do quadro partidário brasileiro, o primeiro turno das eleições deste ano trouxe boas notícias. A ação do eleitor que concentrou votos em partidos maiores – especialmente o Pl de Jair Bolsonaro e o Pt de Lula – foi combinada com a legislação, que deu fim às coligações entre partidos e impôs uma cláusula de barreira mais alta para as legendas. Assim, apenas 14 dos 32 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (Tse) terão direito a recursos públicos e funcionamento pleno nos parlamentos a partir do anos que vem. A reação a esses dois movimentos é uma provável onda de fusões em que partidos pequenos buscarão a sobrevivência e legendas maiores tentarão se agrupar para fazer frente as maiores bancadas.
Concretizada, essa reação vai afetar diretamente a política catarinense, especialmente na correlação de forças na Assembleia Legislativa.
Os movimentos mais imediatos são dos partidos que não alcançaram a cláusula de barreira imposta nas eleições deste ano. A regra prevê a aplicação de um patamar mínimo de desempenho na disputa das vagas da Câmara dos Deputados que cresce progressivamente até 2030. Este ano, o mínimo era a eleição de 11 deputados federais ou receber 2% dos votos válidos nesta eleição, distribuídos em pelo menos nove Estados. Sem isso, os partidos continuam existindo, mas perdem o direito aos fundos partidário e eleitoral e também tem a atividade política limitada nos parlamentos. Perdem, por exemplo, o direito de indicar cargos de liderança partidária.
Dos partidos que não atingiram a cláusula de barreira, sete conseguiram vagas na Câmara dos Deputados: Avante (sete eleitos), Psc (seis), Patriota (quatro), Solidariedade (quatro), Novo (três), Pros (três) e Ptb (um). Além dos limites impostos pela cláusula de barreira, as legendas que elegeram menos de seis deputados federais também perdem o direito de serem obrigatoriamente convidados para debates eleitorais no rádio e na televisão. Na prática, não deixam de existir, mas passam a ocupar uma espécie de limbo destinado a legendas de aluguel malsucedidas como Democracia Cristã, Pmb, Pmn, e Agir (ex-Ptc) e os ultra ideológicos Pcb, Pco, Pstu e Up (à esquerda) e Prtb (à direita).
Para evitar esses destinos, as primeiras conversas para fusão tem sido realizadas entre o Ptb, Patriota e Psc, mais à direita, e entre Solidariedade, Pros e Avante, mais à esquerda. Destes partidos, apenas o Ptb elegeu representante na Assembleia Legislativa, Egídio Ferrari. Nas negociações, o novo partido teria o nome do Patriota e o número 14 dos petebistas. O Novo também se enquadra, mas ainda não debate fusão. A legenda já abria mão voluntariamente dos fundos eleitoral e partidário, mas pode sofrer nas disputas municipais sem presença em debates – é o caso do prefeito de Joinville, Adriano Silva, que disputará a reeleição em 2024. O Novo catarinense elegeu Matheus Cadorin para a Alesc e reelegeu Gilson Marques deputado federal.
As mudanças mais relevantes, no entanto, não teriam como origem a cláusula de barreira, mas a necessidade de fazer frente às bancadas eleitas de 99 deputado federais do Pl e de 80 parlamentares do Pt. Além de dar aos partidos de Bolsonaro e Lula as maiores bancadas do Câmara, os eleitores também diminuíram a pulverização. Em 2018, o Psl (então partido de Bolsonaro) também fez a maior bancada, mas com 54 integrantes, contra 52 do Pt. Eram 11 partidos com bancadas entre 28 e 54 integrantes.
Nas eleições deste ano, o eleitor deixou a composição da Câmara concentrada em sete partidos que elegeram mais de 40 parlamentares e que terão quase 80% das 513 cadeiras de deputado federal. São eles Pl, Pt, União, Progressistas, Mdb, Psd e Republicanos. A partir deles, também são realizadas articulações com o objetivo de fortalecimento das legendas e projetos políticos.
O primeiro movimento, com a articulação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas de Alagoas) seria a fusão entre o Progressistas e o União Brasil, formando a maior bancada da Casa com 106 deputados federais (59 do União, 47 progressistas). Com isso, o chamado Centrão ganharia força nas definições no parlamento, a começar pela definição da presidência, que Arthur Lira, reeleito em Alagoas, deseja manter.
Em Santa Catarina, esse movimento juntaria na mesma legenda o ex-prefeito Gean Loureiro, de Florianópolis, e o senador Esperidião Amin (Progressistas), adversários políticos e candidatos ao governo este ano – Gean ficou em quarto, Amin em quinto. Daria força, no entanto, ao único deputado federal que as legendas elegeram este ano, Fábio Schiochet (União), que poderia pleitear em Brasília o comando da legenda. Na Alesc, a soma seria mais robusta e resultaria em uma bancada de seis parlamentares – Jair Miotto, Sérgio Guimarães e Marcos da Rosa pelo União, Zé Milton, Altair Silva e Pepê Collaço pelo Progressistas.
Outro grande movimento de fusão em debate em Brasília reuniria Mdb, Podemos e a federação que reúne Psdb e Cidadania. Os emedebistas elegeram 42 deputados federais, quinta maior bancada. Os tucanos saíram fragilizados das urnas, elegendo 18 parlamentares em conjunto com o Cidadania, enquanto o Podemos ficou quase no limite da cláusula de barreira, com 12 deputados federais. Juntos, ganhariam a robustez de uma bancada de 72 parlamentares e peso maior nas discussões – além de aliviar o desgaste eleitoral de Mdb e Psdb.
Se concretizado esse movimento, teria eco profundo na política catarinense. Na Câmara, o novo partido teria quatro catarinenses – Carmem Zanotto (Cidadania) e os emedebistas Valdir Cobalchini, Carlos Chiodini e Rafael Pezenti. Na Alesc, surgiria uma bancada para ombrear com o Pl, com os mesmos 11 integrantes – seis do Mdb (Antídio Lunelli, Mauro de Nadal, Jerry Comper, Fernando Krelling, Volnei Weber e Tiago Zili), três do Podemos (Paulinha, Camilo Martins e Lucas Neves) e dois do Psdb (Marcos Vieira e Vicente Caropreso).
As discussões entre as legendas são embrionárias e, especialmente entre os grandes, não tem exigem pressa. A equação dos projetos nacionais e regiões e lideranças muitas vezes antagônicas são obstáculos a serem superados. Mas a reorganização partidária no país está em curso, de forma sistemática e consistente a cada eleição. As urnas reduziram o número de partidos com atividade plena para 12 – que pode variar entre nove e 14 de acordo com o sucesso ou fracasso dos processos de fusão. É o começo da racionalização do sistema partidário. É o partidicídio em andamento.
Sobre a foto em destaque:
Discussões sobre fusão de partidos tem como epicentro a nova composição da Câmara dos Deputados. Foto: Pablo Valadares, Câmara dos Deputados.