O que têm em comum a reforma da previdência, a privatização dos Correios e a adoção do voto impresso acoplado à urna eletrônica? Além de serem pautas polêmicas do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que foram votadas na Câmara dos Deputados, os três temas tão diferentes entre si tiveram o mesmo apoio entre os parlamentares de Santa Catarina: 15 favoráveis à proposta governista, apenas um contrário, o deputado federal Pedro Uczai (Pt).
As três votações são emblemáticas, mas também são uma medida da postura que a bancada catarinense tem tomado em relação ao governo Bolsonaro: os projetos que importam ao Planalto recebem esse endosso quase integral dos deputados federais eleitos no Estado. Seria natural, considerando o apoio que Bolsonaro conquistou em Santa Catarina nas eleições de 2018, 75% dos votos válidos no segundo turno, que houvesse um alto alinhamento entre as posições do governo e dos representantes catarinenses.
Há, no entanto, nuances interessantes nessa adesão dos 15 governistas da bancada federal de Santa Catarina. A rigor, o bolsonarismo em si, tem cerca de metade da bancada. Os quatro deputados federais eleitos pelo Psl, através da onda Bolsonaro, votam sem questionamentos ou divergências as propostas do Planalto. São eles Caroline de Toni, Coronel Armando, Daniel Freitas e Fábio Schiochet. Além deles, têm gabaritado a cartilha – que inclui votar e comemorar nas redes sociais o voto – os deputados federais Darci de Matos (Psd), Hélio Costa (Republicanos, a caminho do Psd), Rodrigo Coelho (Psb, a caminho do Podemos) e Rogério Peninha (Mdb).
Os demais deputados do bloco dos 15 têm endossado a chamada Agenda Paulo Guedes, as prometidas reformas liberais do – às vezes mais, às vezes menos – poderoso ministro da Economia. É o que tem aglutinado os votos de Carmen Zanotto (Cidadania), Carlos Chiodini (Mdb), Celso Maldaner (Mdb), Angela Amin (Progressistas), Gilson Marques (Novo), Geovânia de Sá (Psdb) e Ricardo Guidi (Psd). Esse alinhamento a Paulo Guedes acaba sendo uma espécie de bolsonarismo light, mas também caracteriza posições independentes. Em alguns momentos, há dissidências. A Medida Provisória que viabiliza a privatização da Petrobras recebeu votos contrários de Angela Amin, Carmen Zanotto e Gilson Marques – além, é claro, do quase sempre solitário petista Uczai.
Essa diferenciação entre o bolsonarismo e a agenda liberal, no entanto, não explica os votos em favor da adoção de um sistema eleitoral eletrônico conjugado ao impresso, tema que mobilizou Bolsonaro e os bolsonaristas entre julho e agosto a ponto de o presidente ameaçar a própria realização das eleições de 2022 caso não fosse atendido – como se tivesse poderes para isso, deixamos claro. Nesse caso, o placar de 15 votos na bancada catarinense foi atingido com a impressionante mobilização da militância bolsonarista nas redes sociais e fora delas para pressionar os parlamentares. Foi assim, em plano nacional, que as estimativas iniciais de cerca de 170 votos favoráveis à proposta viraram os 229 registrados no plenário – que não incluem o voto de Angela Amin, que se equivocou e não conseguiu corrigir o voto contrário.
Assim, há nesse endosso votos envergonhados em favor do voto impresso, assustados com a mobilização – os telefones celulares de parlamentares e assessores diretos não pararam de tocar nos momentos que antecederam a votação. Houve quem entendesse que o voto contra o bolsonarismo seria mais caro junto ao eleitor em 2022 que diante do espelho. Não vou ser indiscreto aqui e dizer quem queria votar não e votou sim. Mas o leitor curioso pode olhar quais foram os deputados que calaram sobre o assunto após a votação e tirar suas impressões.
De qualquer forma, cabe sempre o questionamento sobre o quanto Santa Catarina – como Estado – está sendo recompensada pelo governo federal por tamanho apoio, inclusive com os votos de mais de 90% da bancada federal. Nesse caso, há mais não do que sim vindo de Brasília.
Sobre a foto em destaque:
Reunião do Fórum Parlamentar Catarinense, que inclui os deputados federais e senadores catarinenses, antes da pandemia. Foto: Ketrin Raitz, Divulgação.