Nesta quarta-feira será votada e aprovada a terceira reforma da previdência estadual catarinense em 13 anos. O roteiro será similar: uma base de apoio ao governo coesa ignora as vaias e outros protestos que vêm de fora do plenário e implanta as novas e amargas medidas. O problema estará supostamente resolvido até que depois de alguns anos surja outra reforma com a promessa de economizar bilhões a longo prazo para conter um déficit que já é bilionário no presente.

Não vou aqui brigar com a matemática. O déficit existe e vai existir enquanto toda uma geração de servidores públicos mantiver relação com o Estado de Santa Catarina – falo de ativos e inativos. É o passado que não tem conserto, por décadas de gestão temerária com o futuro, por ausência de poupança, de capitalização ou de algum conceito minimamente mais sofisticado do que pegar um percentual do salário de quem trabalha para pagar a aposentadoria de quem deixou de trabalhar. Quanto mais aumenta o número de inativos, menos a conta fecha. E tome reforma.

Desculpe, leitor, o texto lacônico. Eu deveria escrever que a aprovação garantida da reforma da previdência mostra a força da base do governador Carlos Moisés (sem partido) após ele escapar dos impeachments – nesse sistema semiparlamentarista implantando em acordo com a Assembleia Legislativa e que tem em Eron Giordani (Psd) uma espécie de primeiro ministro indicado pelo parlamento e bem aceito por um governo que foi curado da deputadofobia. Mas isso já foi dito.

As mudanças no texto original, que suavizaram regras de transição e pensão por morte, além de descartar a taxação extra dos salários mais altos, também foram tratados. O destino de todo bode é deixar a sala após cumprir sua missão. Também já foi falado sobre o pleito justo dos civis da segurança pública que criticam a disparidade de direitos com os servidores militares – assim como também já foi dito que essa casca de banana foi engendrada em Brasília, com o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional de mãos dadas. Em resumo, reclamem com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Por isso, hoje vou me ater a uma triste constatação. Toda reforma da previdência tem seu mote. Em 2008, a do governo de Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) pregava a segregação das massas. A ideia era isolar o fundo deficitário e criar um novo, para servidores contratados a partir de então – saudável, capitalizado. Uma reforma para o futuro. Em 2015, a reforma do governo Colombo (Psd) aumentava a alíquota de 11% para 14%, com o argumento de que o servidor ativo precisava dar uma contribuição maior para garantir a própria aposentadoria no futuro. Era um mote. O outro era limitar as aposentadorias ao mesmo teto da iniciativa privada e forçar os servidores admitidos desde então a aderirem a um fundo complementar de aposentadoria. Essa reforma extinguiu o fundo de 2008 e fez com que os R$ 800 milhões que lá estavam segurassem um ano de crise; mas isso é outra história, não era o mote.

A reforma do governo Moisés, que vai ser aprovada nesta quarta-feira pela Alesc, poderia ter como mote a elevação das idades mínimas para aposentadoria, acabando com o privilégio do serviço público de se aposentar mais cedo que os trabalhadores privados, retardando a necessidade de reposições e, assim, diminuindo o peso da folha dos inativos. Poderia, também é. Mas no fundo, mesmo, a reforma de Moisés é a reforma que chama de economia tirar R$ 25,6 milhões por mês do contracheque de 39 mil aposentados que ganham menos de R$ 6,4 mil. Até hoje, apenas os inativos que ganhassem acima disso precisavam pagar contribuição previdenciária.

Então, leitor, toda vez que lhe falarem dos bilhões a longo prazo que essa reforma economiza, é daí que está saindo. A folha de pagamento dos inativos em junho apresentava 59,2 mil inativos, que receberam R$ 413,7 milhões em salários. Um terço dessa turma recebe dois terços desse montante e já é taxada. A maioria que ganha menos era poupada. A conta é simples, é básica, sujeita a imprecisões, mas expressa uma realidade inescapável. Um aposentado que receba R$ 5 mil mensais depois de ter investido uma carreira inteira servindo ao Estado de Santa Catarina vai ser tungado em R$ 700 para pagar um déficit de que faz parte, mas que não causou. Na folha de julho, eram cerca de 12 mil pessoas nessa faixa.

Se a solução que os técnicos apontaram para aliviar o problema real do déficit previdenciário é esse, talvez fosse o caso de os políticos mandarem eles voltarem para planilhas e pranchetas em busca de algo menos cruel. Mas os números que importam, nesse caso, são os cerca de 30 votos favoráveis que a proposta deve ter.


Sobre a foto em destaque:

Secretario da Casa Civil e primeiro ministro informal, Eron Giordani (Psdb) diz alguma coisa ao ouvido de Marcos Vieira (Psdb). Reforma foi alinhada pelo governo com os três relatores – o tucano, Milton Hobus (Psd, ao centro) e Volnei Weber (Mdb, à direita). Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL.

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