A Assembleia Legislativa encarou na manhã desta quarta-feira o resultado prático de deixar os burocratas ocuparem o lugar da política. Há pouco mais de dois anos, mesmo diante de diversos alertas – inclusive aqui no Upiara Online – foi aprovada uma reforma previdenciária que usou o salário dos aposentados mais pobres da máquina estadual para jogar algumas pás de terra sobre o buraco histórico da previdência catarinense. Era hora de mostrar força política, com o então governador Carlos Moisés (Republicanos) recém reconduzido ao cargo após escapar do segundo processo de impeachment e aceitando a tutela do mesmo grupo político que abrira as portas de seu inferno político.
Foi nesse contexto que a Alesc aprovou, com nove votos contrários, a taxação em 14% dos aposentados que recebem menos do que o teto do INSS das aposentadorias privadas – R$ 6,4 mil na época, hoje em torno de R$ 7,5 mil. A isenção se manteve apenas para o pequeno grupo de servidores inativos que recebe até um salário mínimo. Com isso, o governo conseguiu um alívio de R$ 25,6 milhões por mês retirados diretamente do contracheque de 39 mil aposentados. Era dessa forma que a tímida e em muitos pontos covarde reforma previdenciária do governo Moisés poderia dizer que economizaria R$ 32 bilhões em 20 anos. Covarde é uma palavra muito forte, mas que serve de referência quando lembramos que foi retirada da mesma reforma o disposito que sobretaxaria os salários dos aposentados da elite do funcionalismo – que ganha mais de R$ 30 mil mensais. Ou seja, a reforma foi Robin Hood às avessas e taxou a merendeira para poupar o procurador.
A medida foi descartada e nem chegou a ser enviada para a Alesc nas reformas previdenciárias promovidas nos governos de Luiz Henrique da Silveira (PMDB), em 2008, e de Raimundo Colombo (PSD), em 2015. Ambos tinham medidas amargas e polêmicas, mas não avançaram sobre os aposentados de menores salários. Era um tempo em que a planilha do burocrata podia orientar, mas não se impunha sobre a decisão política de quem é escolhido no voto para tomar decisões difíceis. A reforma de 2021 foi a reforma da planilha, da burocracia. E é com esse cadáver insepulto que o governador Jorginho Mello (PL) e os deputados estaduais precisam lidar agora.
A audiência pública desta quarta-feira deixou claro que é hora dos burocratas deixarem as planilhas sobre a mesa e voltarem para suas salas.
Na campanha eleitoral, Jorginho Mello prometeu rever a cobrança dos 14% do andar de baixo dos inativos do Estado. Escolheu com cuidado o verbo, para não se comprometer com a revogação. Sabe o governador o quanto é difícil abrir mão de um recurso quando ele começa a entrar no caixa. A Alesc forçou o debate com o projeto do deputado estadual Fabiano da Luz (PT) que restabelece a regra original a partir do ano que vem. A proposta continua parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde na terça-feira o novo líder do governo, Ivan Naatz (PL) pediu vista após o colega Pepê Collaço (PP) apresentar relatório favorável.
A alternativa do governo foi apresentada semanas atrás e detalhada na audiência pública pelo presidente do Iprev, Vânio Boing. A ideia é ampliar gradativamente até 2026 a faixa de isenção até R$ 5 mil. No entanto, a proposta mantém uma regra que continua beneficiando o andar de cima dos inativos. Todos os aposentados, não importa quanto ganhem, recebem o desconto dos 14% referentes à faixa de isenção. Assim, a merendeira e o procurador aposentados terão mesmo desconto mensal na contribuição a pagar: R$ 213 em 2024, R$ 313 em 2025 e R$ 412 em 2026. É impressionante – me falta um adjetivo melhor agora – que o olimpo do funcionalismo ainda vai ganhar uma Bolsa Vinho Importado com a luta do pessoal da planície.
A medida deve sofrer ajustes na Alesc, especialmente na adequação do limite da isenção e do tempo de aplicação. Há clima no parlamento estadual para desfazer o erro de 2021. Nas falas do secretário Moisés Diersmann, da Administração, e de Vânio Boing, ficou claro que o governo Jorginho vai aproveitar a deixa para apresentar sua reforma da previdência, a quarta em 15 anos. Entre seus pontos, outro erro a ser desfeito. Em 2008, LHS segregou as massas, separando em dois fundos a previdência antiga, sem solução, e um novo modelo de capitalização para os funcionários que ingressassem no serviço público a partir de então. Colombo, em 2015, em crise financeira, reagrupou as massas no fundo falido e levou para o caixa R$ 800 milhões do fundo limpo.
O difícil vai ser os servidores e a própria sociedade acreditarem que o mesmo roteiro pode resultar em um filme de final diferente.
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Audiência pública foi marcada por protestos pela revogação da cobrança de 14% do salário dos aposentados que ganham menos de R$ 7,5 mil. Foto: Bruno Collaço. Agência AL.