A manutenção do pagamento de benefícios nos contracheques de três agentes prisionais afastados por decisão judicial e a falta de continuidade dos processos administrativos disciplinares sobre atos já considerados ilegais praticados pelos mesmos servidores públicos são os alvos de duas investigações abertas pelo Ministério Público de Santa Catarina (Mp-SC) e Ministério Público de Contas (Mpc). Os funcionários beneficiados são réus em ações cíveis e penais, incluindo o crime de tortura, e acusados de exigirem favores sexuais de ao menos 27 presas em troca de regalias no Presídio Regional de Caçador, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2016.
Publicada em julho deste ano pela Agência Pública, a reportagem “Inferno no Meio Oeste” revelou que Felipe Carlos Filipiacki, Ediney Carlos Kasburg e Antonio Cícero de Oliveira estão afastados das funções desde agosto de 2018 por decisão da judicial. E que as tentativas e os atos sexuais por meio de coação das detentas fazem parte da denúncia apresentada à Justiça pelo Mp-SC em maio de 2019. Mas mesmo diante destas acusações, a Secretaria de Administração Prisional (Sap) manteve o pagamento do adicional de atividade penitenciária e do auxílio-alimentação para os três agentes afastados, verbas que só deveriam ser pagas para os funcionários no desempenho das suas funções, segundo as duas apurações oficiais ainda em andamento.
Além destas vantagens, os agentes acusados, mesmo após serem alvos de sindicâncias internas que comprovaram os atos irregulares e que foram finalizadas pela pasta ainda em abril 2019, a Sap não abriu, mais de dois anos depois, os procedimentos administrativos disciplinares (Pad) que poderiam, inclusive, decidir pela demissão dos três agentes prisionais. Alertado pela reportagem da Pública, o Mpec fez uma representação ao pleno da corte de contas contra os atos da Sap. Na apuração, o procurador Diogo Ringenberg informa que no caso de Filipiacki, ação da Sap parou em outubro de 2019 e que nos outros casos não houve nenhum um ato oficial.
Leia a reportagem “Inferno no Meio Oeste”, publicada pela Agência Pública
Segundo o documento, a Secretaria de Estado, através da Corregedoria Geral, instaurou em 10 de outubro de 2019 o processo SJC 82509/2019 que seria o procedimento para a apuração dos fatos envolvendo Filipiacki, mas o processo foi apenas criado “de maneira completamente genérica, e não teve qualquer instrução ou movimentação desde a sua abertura”.
“Logo, tendo em vista que a Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa de Santa Catarina se manteve inerte e omissa, agindo com desídia, pelo fato de não instaurar os PAD em desfavor de Antônio Cícero de Oliveira e Ediney Carlos Kasburg e, ainda, por não dar os necessários encaminhamentos ao processo administrativo em desfavor de Felipe Carlos Filipiacki, verifica-se que os fatos narrados acabam por se constituir e revestir de máculas que merecem uma forte reprimenda dessa Corte de Contas”, resume Ringenberg em seu parecer.
No último dia 14 deste mês, o relator do processo no Tribunal de Contas do Estado (Tce), conselheiro Wilson Wan-Dall, aceitou o pedido do procurador e determinou a imediata suspensão do pagamento do auxílio-alimentação, além da abertura dos processos disciplinares contra o trio acusado. No Mp-SC, parecer do Centro de Apoio da Moralidade Administrativa concluiu que não existe “fundamento jurídico” para manutenção do pagamento do adicional penitenciário para os afastados dos cargos.
“A percepção de Adicional de Atividade Penitenciária por agentes públicos afastados de suas funções por determinação judicial é contrária à legislação vigente, podendo configurar atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, lesão ao erário e a princípios da Administração Pública”, afirma a promotora Lara Peplau, coordenadora do centro de apoio no parecer assinado em 17 de setembro.
A investigação sobre este pagamento da Sap está sendo apurada pela 27ª Promotoria da Capital e o pagamento da verba extra em inquérito específico da 2ª Promotoria de Justiça de Caçador, unidade do Mp-SC que conduz os processos contra os três servidores na Justiça estadual. Procurada pela reportagem, a Sap informou que já suspendeu o pagamento de auxílio-alimentação aos três servidores, mas não esclareceu se produziu atos de abertura imediata dos processos administrativos disciplinares, como determinou o Tce na sua decisão.
“A Sap adotou as medidas administrativas necessárias ao caso, observando a competência institucional que lhe foi definida pela legislação em vigor, e estará prestando todas as informações solicitadas ao Tribunal de Contas do Estado, dentro do prazo por ele estabelecido”, apontou a nota oficial encaminhada pela pasta.
O único prazo estabelecido na decisão foi o de 30 dias para que o secretário da pasta, Leandro Lima, seja ouvido em diligência e apresente suas alegações sobre o caso. Sobre a manutenção do adicional penitenciário para os afastados dos cargos apontado pelo órgão do Mp-SC, a Sap informa que não concorda com o entendimento dos órgãos de controle. E que fez uma consulta interna no Executivo antes de decidir sobre o caso.
“O entendimento do Órgão Central e Normativo do Sistema Administrativo de Gestão de Pessoas diverge daquele explanado pelo Tribunal de Contas do Estado e pelo Ministério Público de Santa Catarina. Em razão disso a Sap formulou consulta ao referido Órgão Central, estando no aguardo da manifestação. Após, e, sendo o caso de adoção de providências administrativas no que tange à eventual ressarcimento de valores percebidos de forma indevida, a Sap diligenciará para as devidas regularizações”, diz a nota da Sap.
Sobre a foto em destaque:
Presídio Regional de Caçador. Foto: Divulgação, Sjc.
Lúcio Lambranho é repórter freelancer. Autor, com Eduardo Militão, Eumano Silva e Edson Sardinha, do livro “Nas asas da mamata — a história secreta da farra das passagens aéreas no Congresso Nacional” (Matrix Editora, 2021).