Antônio Carlos Konder Reis foi a entrevista que sempre quis e me lamentei por não conseguir fazer. Só o encontrei uma vez e foi uma cena que me marcou. Eu estava no Mercado Público de Itajaí em 2010 durante a cobertura de uma visita do então presidenciável José Serra (Psdb). Depois de um comício em Balneário Camboriú, o grupo do tucano parou para almoçar no local – se lembro bem, estavam na mesa Leonel Pavan (Psdb), na época governador, os candidatos Raimundo Colombo (a governador pelo Democratas) e Luiz Henrique da Silveira (ao Senado pelo Pmdb) e o então prefeito Jandir Bellini (Pp). Foi quando lentamente chegou Konder Reis, andando com dificuldades. Eu estava por perto, acompanhando o almoço discretamente. Assim que viu o ex-governador catarinense, Serra levantou-se e foi ao seu encontro. Segurou suas duas mãos e lembrou os tempos em que foram colegas na Assembleia Constituinte.

– Eu lembro muito de ti. Lembro muito do teu espírito público – foram as palavras de Serra que consegui ouvir.

Uma cena bonita por ser espontânea, não previamente produzida para os dispersos jornalistas que aproveitavam o almoço dos políticos para comer alguma coisa também. Contrariando, inclusive, a fama de antipático cultivada por Serra e confirmada em tantos momentos. A presença do ex-colega de parlamento despertou algo no tucano e eu acabei sendo a pequena platéia de um momento bonito entre dois homens públicos de valor, independentemente de posicionamentos históricos e ideológicos. Dei sorte.

Já tinha ouvido muito falar da figura de Konder Reis. Dois anos depois daquela cena em Itajaí, conduzi uma série de reportagens sobre o meio século de rivalidade entre as famílias Ramos e Konder Bornhausen na disputa pelo poder catarinense e a lendária origem da cizânia no noivado desfeito entre Victor Konder e Ruth Ramos – filha de Vidal, irmã de Nereu e Celso, tia de Aderbal, para citar os Ramos que governaram Santa Catarina.

Foi nessa época que tentei entrevistar Konder Reis, sem sucesso – o que lamento até hoje. Sobrinho de Victor, ele foi testemunha de praticamente todo aquele período histórico. Quando governador, tentou resgatar o legado do tio, ministro de Viação e Obras Públicas no governo de Washington Luiz. O slogan que marcou a gestão Konder Reis como governador – “governar é encurtar distâncias” – traz no DNA o mote daquele último mandato da República Velha: “governar é construir estradas”. Sob comando de Victor Konder foram construídas das duas primeiras rodovias federais do país – Rio-Petrópolis e Rio-São Paulo – e realizado o primeiro voo comercial pela empresa que seria o embrião da Varig. Queria saber o que Konder Reis tinha a contar sobre tudo isso, assim como queria conhecer os bastidores que viveu em uma atuação política que o fez participar ativamente da elaboração de três constituições nacionais e importantes momentos da história catarinense. Era um protagonista que o Estado perdeu antes mesmo da morte, por suas condições de saúde – o que me impediu a entrevista que tanto fiz.

Lembrei de Konder Reis neste momento porque ele foi ícone de partidos conservadores como a União Democrática Nacional (Udn) da oposição ao trabalhismo dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart e a Aliança Renovadora Nacional (Arena) que deu suporte parlamentar ao regime militar. Um conservador que despertava admiração em gente que estava do outro lado das trincheiras políticas, como o próprio Serra – presidente da União Nacional dos Estudantes (Une) em 1964, integrante da ala mais à esquerda do Pmdb na época da constituinte. Política é confronto e diálogo – e saber a hora de confrontar e a hora de dialogar. O Brasil de 2021 precisa resgatar esse tipo de exemplo.

Leia a série de reportagens Victor e Ruth:


Sobre a foto em destaque:

Antônio Carlos Konder Reis discursa na convenção da Udn em 1965, em Florianópolis. Foto: Reprodução do livro “Antônio Carlos Konder Reis – 50 anos de vida pública”.

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